“Ao longo destas conferências questionámo-nos sobre as novas formas de sintomas do nosso tempo. Embora seja um tema que nos tem preocupado a todos, a pandemia precipitou os seus efeitos que se tornaram cada vez mais evidentes nas manifestações sintomáticas e na sua abordagem.
Se eu tivesse que destacar o que há de particular no foco principal deste livro, diria que há um tema que une todos os psicanalistas, que giram em torno de um único objetivo e que é – como nos disse Lacan – estar atualizado com os tempos. Esse ponto de vista fica evidente porque todos falamos da prática da psicanálise na hipermodernidade, sem perder o conceitual.
Como um paradoxo do hipercapitalismo, a peste daquela época instalou-se no familiar, como disse Freud em O Estranho. Um familiar doente com Covid no início da pandemia trouxe a ameaça de morte. Os corpos foram descartados e enterrados sem ritual de velório ou despedida. Por esta razão, duvido que esta situação marque o fim do capitalismo, e pergunto-me se talvez não seja o seu maior triunfo. Aproximar-se dos outros sempre gera a dúvida do mal que isso nos trará. Hoje, a tecnologia também consegue extrair todas as informações sobre cada um de nós e, para isso, o isolamento é fundamental. Tudo é descoberto através do Google. Mas tudo se sabe, todas as informações são decifradas pelos algoritmos e somos observados por todos. Agora o Big Brother é o sistema. O olho que tudo vê destrói segredos e a palavra do Outro vale pouco ou quase nada.
É por isso que valorizo os livros, pois são informações escritas e que devem ser lidas. Os textos apoiam o simbólico e nos levam a pensar e a discordar. A escrita é a linguagem dos ausentes. E justamente a concepção de ausência é o que a época rejeita, porque tudo é onipresença e imediatismo. A perda estrutural não é suportada. Isto realmente nos mostra que as políticas neoliberais são perversas. Colocaram um objeto no lugar da falta e agora a liberdade é o que oferecem, em vez do Estado que regula. Em que armadilha nos encontramos. Eu me pergunto o que resta aos psicanalistas fazer: ir contra a corrente do mestre contemporâneo. Haveria o futuro da psicanálise, sempre por vir.
Este livro é um exemplo disso, analistas que pensam a psicanálise na hipermodernidade. Agradeço a cada um dos autores pela participação.”
Fragmentos do Prólogo de Mabel Levato